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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O primeiro

Debruçada à janela e o rosto de finos traços repousado sobre suas mãos. De seus pés escorria um líquido viscoso, certamente um tipo de mel que tomava por completo o assoalho da sala.
Eram aproximadamente seis e quinze de uma tarde leve, como todas as tardes de primavera costumavam ser. Portas e janelas abertas renovavam com certa constância o ar indefinivelmente adocicado que pairava sob o teto, e depois desta tarde, nada mais voltara a ser cinza ou incompleto.
Avistei-a da porta principal que dava para a sala. Havia silêncio e paz. A paz que se fazia inatingível, intocada.
Muitos haviam passado por aquela casa atraídos pela aura quase angelical que a cercava e nenhum antes atravessara a porta onde eu me encontrava. Alguns por medo. Pensavam que, pisando naquele mel, acabariam envolvidos por ele e ali eternamente permaneceriam, também tomados como o resto da sala.
Outros desistiram antes mesmo de notar a existencia do mel. Desistiram como se, fazendo parte daquela cena, pudessem quebrar o encanto ou tipo de magia que fazia daquela moça debruçada à janela a obra mais bela já vista, quadro que de vida transbordava a pequena cidade.
Arrisquei o primeiro passo inseguro, certo de que um tombo seria fatal, e então, todas as lendas e histórias contadas em seus pormenores pelos que tentaram de algum modo fazer parte daquele ritual se transformariam em única verdade. O encanto seria dolorosamente quebrado.
Tolos. Em pensarem que seriam tomados pelo mel cobrindo o assoalho... Os pés de quem adentrasse aquela sala jamais tocariam o solo, envoltos pela atmosfera divina que então eu descobrira ser emanada daquela moça à janela, assim como o mel que escorria de seus pés.
Ainda incerto, tentei o segundo passo e assim alcancei o céu.
Meus pés nunca mais voltariam a tocar o solo. E eu sabia.

Um comentário:

  1. em céus nossos, de solos longe dos pés...
    esses solos são para outros.
    os outros que não tem nossos céus.

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